Direito de arrependimento no CDC e Lei 1401


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O direito de arrependimento previsto no artigo 49 do código de defesa do consumidor – Lei 8078 – nas compras realizadas fora dos estabelecimentos comerciais, consideradas estas como as compras realizadas à distância, foi criado permitindo que o consumidor que realize compras sem a oportunidade de verificar o produto no ato da compra possa desta desistir em razão da não conformidade do produto com a propaganda ou com a expectativa / necessidade do consumidor.

O texto do artigo diz que: “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.

O parágrafo único traz a informação de que os valores eventualmente pagos pelo produto devem ser devolvidos de forma imediata e com correção monetária.

Este dispositivo foi criado para as compras sem acesso imediato ao produto, que só passa a ser conhecido quando é recebido, o que ocorre em data posterior à compra e muitas vezes após a realização do pagamento.

Nestes casos de compra não presencial o consumidor não conhece o produto, o que só ocorre quando do seu recebimento, permitindo a lei, de forma unilateral e sem a aplicação de nenhuma penalidade, o direito de arrependimento, desde que exercido dentro do prazo de 07 dias, contados da assinatura ou do recebimento do produto, conhecido este prazo como “prazo de reflexão”.

O artigo 49 traz uma previsão legal de contrato de compra e venda sob condição resolutiva, sem necessidade de qualquer motivação que não seja a não aceitação do produto, repita-se, de forma unilateral e sem aplicação de penalidades pela rescisão.

Este artigo, contudo, tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência para que sua aplicação não alcance compras não presenciais que não representem diferença em relação ao produto adquirido em loja física, em razão da intenção do legislador em proteger a compra sem o pleno conhecimento do produto.

PROCESSO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FOTOGRÁFICOS. ÁLBUM DE FORMATURA. VENDA EM DOMICÍLIO. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CDC. INAPLICABILIDADE. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO INADIMPLIDA. MORA EX RE. SENTENÇA MANTIDA. (TJ/DF – Apelação Cível 0714915-77.2019.8.07.0001 – 3ª Turma Cível – Relatora Des. Fátima Rafael – Publicado  20/03/2020)

Com a pandemia que vivemos na atualidade, provocada pelo coronavírus – COVID-19, e o aumento exponencial das vendas realizadas pela internet com entrega “delivery”, o legislador entendeu por evitar os excessos na aplicação do artigo 49 do CDC e incluiu na Lei 14.010, de 10 de junho de 2020, que “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19)”, a suspensão da aplicação do referido dispositivo para a entrega domiciliar relativa a produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.

Esta suspensão está prevista no artigo 8º da RJET, o que não impede que o consumidor reclame por vício ou outras desconformidades, e visa, assim como todos os outros dispositivos da lei a segurança jurídica nas relações jurídicas de direito privado durante a pandemia.  

O que o legislador previu foi apenas a impossibilidade de rescisão dos contratos de forma unilateral, imotivada e sem a aplicação de nenhuma penalidade para a aquisição de produtos que na devolução apresentem perda ou alteração de conteúdo pelo incorreto acondicionamento no caso dos medicamentos ou pela perda em caso de produtos perecíveis ou de consumo imediato.

Esta suspensão tem limitação temporal ante a previsão legal de vigência até 30/010/2020, quando o dispositivo volta a ser aplicado. 

Questão que não se pode deixar de suscitar é relativa à terminologia utilizada pelo legislador na redação do artigo 8º, quando fala em suspensão do artigo 49 do CDC até o dia 30/10/2020.

Por suspensão poderíamos entender que o consumidor terá o sei direito suspenso a partir da entrada em vigor da Lei 14.010 e que a partir o dia 01/11/2020 terá 07 dias para desistir das compras realizadas no período de vigência da dita suspensão.

Contudo, não parece ser esta a ratio legis e a intenção do legislador, que pretendia não suspender o direito neste período , mas tornar ineficaz, impedir o direito de arrependimento.

Afinal, não é razoável fazer uso do direito de arrependimento de uma compra de comida por “delivery”, por exemplo, cujo conteúdo não mais existirá para devolução após o término do prazo de suspensão, o que nos leva a uma interpretação de que o direito de arrependimento para as entregas a domicílio relativas a produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos não poderá ser exercido.

CONCLUSÃO

O que se pode extrair da supressão, e não da mera suspensão, do direito de arrependimento previsto no artigo 49 do código de defesa do consumidor até o dia 30/10/2020 é que o legislador atuou para evitar mais perdas e rescisões imotivadas de contratos em período de exceção, quando devemos preservar as relações jurídicas, garantindo a necessária segurança aos contratantes, preservando a boa fé das relações e a continuidade da economia.

Não obstante a limitação temporal, o que podemos ter a longo prazo, diante da incorporação das compras realizadas de forma virtual e com entrega na modalidade “delivery” no pós pandemia, é uma interpretação mais restritiva do artigo, ampliando o rol das atividades e modalidades de compra que, mesmo tendo sido feitas à distância, não gozam dos benefícios do direito de arrependimento.

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Para mais informações sobre esse tema, conte com:

>Flávia Presgrave| fp@martorelli.com.br 

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